
O hospital teve que alugar respiradores para atender a demanda, e segundo o provedor Alcides Bernardi Júnior, há mais respiradores sendo usados hoje do que durante o pico da COVID
Em Jaú, a saúde pública vive um colapso anunciado — agora escancarado pela Santa Casa, que opera no limite da sua capacidade em meio a uma nova epidemia de doenças respiratórias. Se antes as denúncias estavam concentradas na Secretaria Municipal de Saúde — com casos de superfaturamento de serviços médicos, falta de remédios e o desaparecimento de equipamentos doados pela Unoeste — agora é o principal hospital do município que grita por socorro. No centro de tudo, mais uma vez, está o cidadão jauense, à mercê de um sistema combalido, desorganizado e sem respostas efetivas.
A Santa Casa enfrenta uma das situações mais dramáticas desde a pandemia de COVID-19. Os dados são alarmantes: todos os 34 leitos de UTI adulto estão ocupados e 11 pessoas aguardam por uma vaga. A UTI infantil está com 167% de ocupação — 15 crianças dividem os 9 leitos disponíveis, o que obrigou a instituição a utilizar leitos particulares para pacientes do SUS. O hospital teve que alugar respiradores para atender a demanda, e segundo o provedor Alcides Bernardi Júnior, há mais respiradores sendo usados hoje do que durante o pico da COVID. Ou seja, prenúncio de mortes no ar.
PANDEMIA A lembrança de 2021 é inevitável. Naquele ano, Jaú foi manchete nacional: chegou a figurar entre as cidades com mais mortes diárias por COVID-19 no Brasil. UTIs lotadas, filas de espera, falta de respiradores, profissionais exaustos, famílias desesperadas. A cidade correu atrás de respiradores às pressas e acionava a Central de Vagas do Estado para tentar salvar vidas – até um hospital de campanha foi montado na cidade. Foi o retrato do colapso. Agora, quase quatro anos depois, as cenas se repetem — com outra doença, mas com os mesmos erros: ausência de planejamento, estrutura fragilizada e abandono do sistema de atenção primária.
Hoje, o número de atendimentos na Santa Casa ultrapassa os 44 mil só no Pronto-Socorro em 2025. No infantil, a situação é insustentável: em apenas quatro meses, o salto foi de quase 88% no número de atendimentos — de 1.000 em janeiro para mais de 1.900 em abril. Em maio, a média chegou a 106 crianças atendidas por dia, uma a cada nove minutos. E o número continua crescendo. A internação pediátrica também está sobrecarregada: todos os 18 leitos ocupados, sendo 80% por casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Apesar disso, a rede básica não consegue absorver a demanda por casos leves. Faltam pediatras nas UBSs, faltam remédios, faltam insumos básicos. A recomendação da Santa Casa para que sintomas leves sejam levados às unidades de saúde do bairro soa, na prática, como um gesto simbólico. Muitos pais relatam que sequer conseguem atendimento nas UBSs — por falta de médicos ou por filas intermináveis. Sem alternativas, voltam a procurar o hospital, aumentando ainda mais a pressão sobre um sistema já à beira do colapso.
O infectologista Dr. Daniel Elias de Oliveira lembra que a triagem no Pronto-Socorro é feita por gravidade, não por ordem de chegada. Isso tem gerado tensão entre pais que esperam horas por atendimento, muitas vezes em situações angustiantes.
Enquanto a população enfrenta filas, esperas de até cinco horas e a incerteza de conseguir uma vaga em UTI, a Secretaria Municipal de Saúde está mergulhada em escândalos. Denúncias de superfaturamento em serviços médicos, sumiço de medicamentos e de insumos doados pela Unoeste culminaram na instauração de uma CEI (Comissão Especial de Inquérito) pela Câmara Municipal. A investigação busca apurar responsabilidades, mas os impactos já são sentidos no dia a dia de quem precisa de atendimento.
E não é apenas a gestão da Santa Casa que cobra providências. Outros municípios, diante de situações semelhantes, adotaram medidas emergenciais: contrataram médicos temporários, estenderam horários das UBSs, reforçaram campanhas de vacinação e declararam situação de emergência. Em Jaú, até o momento, nenhuma ação concreta foi apresentada pela Prefeitura para mitigar a crise.
A combinação entre má gestão, falta de planejamento e despreparo crônico para lidar com sazonalidades previsíveis resulta numa equação cruel: sofrimento da população e um sistema público de saúde colapsado. A cidade, que já foi símbolo da tragédia na pandemia, revive agora, em pleno 2025, um novo capítulo de dor — desta vez, com problemas respiratórios, mas com a mesma sensação de abandono e impotência.
É uma epidemia de desgoverno. E a saúde pública de Jaú, mais uma vez, é quem agoniza.